terça-feira, 8 de maio de 2012

Paralelismo entre Lusíadas e a Mensagem

            Embora distanciados alguns séculos no tempo, os Lusíadas e a Mensagem apresentam pontos comuns, dado que os Lusíadas foram compostos no início do processo de dissolução do império (1580) e a Mensagem já foi publicada na fase terminal da dissolução do império (1934). Podemos assim estabelecer um paralelismo entre as duas obras.
            Os Lusíadas são uma epopeia, inserida no período do renascimento e por isso marcada por uma elevação do herói (este herói é um herói coletivo, o povo português) que é colocado no plano dos deuses. Segue uma estrutura externa que apresente o poema dividido em dez cantos, constituídos por oitavas, de versos decassilábicos heroicos e rima cruzada e emparelhada. No que diz respeito à estrutura externa, divide-se em Preposição, Invocação, Dedicatória e Narração. Notamos ainda a existência de quatro planos: plano de viagem, plano da história, plano de mitologia e plano do poeta.
            Por sua vez a Mensagem é um poema Épico-Lírico dada a sua característica de exaltação poética do povo português, com a utilização de símbolos da mitificação do herói. O seu aspeto lírico remete para o sentimentalismo, para uma atitude contemplativa dos heróis que buscam o indefinido, o além.
            A Mensagem divide-se em três partes: Brasão, Mar Português e Encoberto e deixa passar a corrente subjetiva do poeta que canta os heróis lendários ou históricos (no Brasão), mas que também se inspira na ânsia do desconhecido para cantar os feitos dos marinheiros e ainda o sofrimento que tiveram de enfrentar. É, contudo, na última parte, o (Encoberto) que o mito do Sebastianismo desenvolvido dando lugar a um tom profético em que Pessoa refere a necessidade do surgimento de um Quinto Império, não um império territorial mas um império cultural, dado que o poeta acha que Portugal está a “entristecer”, “Ó Portugal, hoje és nevoeiro…”.
            Tanto Camões como Fernando Pessoa adotam uma posição critica em relação certos aspetos da Nação. Camões, no plano das considerações do poeta reflete sobre o seu país e os “podres” que o assolam como a corrupção e o gosto pelo “vil metal” que, para o poeta é culpado de desvairos e por uma ambição e exacerbada, que faz os homens não olharem a meios para atingirem os seus fins “Se cobiça de grandes senhorios/Vos faz ir conquistar terras alheias”. Camões critica ainda os portugueses que não valorizam a cultura, desprezando o exemplo de grandes reis como Carlos Magno que, a parte das conquistas se preocupava com a cultura do seu povo “Numa mão uma espada e noutra uma pena”. Critica ainda os que são movidos pela ambição se querem elevar e são traidores na sua própria pátria “Alguns traidores houve algumas vezes”.
            Pessoa, sendo um poeta do modernismo reflete sobre o estado do país onde vive e adota um idealismo platónico criticando um Portugal onde “Tudo é incerto e derradeiro” logo Portugal atravessa uma fase de ruína moral, em que tudo é indefinido, surgindo portanto uma necessidade de mudança. Contudo o poeta conclui que todos os esforços feitos valeram a pena “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”, deixando entrever a importância do sonho na evolução do país: o sonho será o motor do desenvolvimento.
            Em os Lusíadas surge a figura o adamastor que remete para a ideia de morte e sofrimento que as navegações exigiram, enquanto na Mensagem surge o mostrengo, que aparece a um marinheiro “O homem do lema” tentando aterrorizá-lo, contudo a vontade do marinheiro e a sua obediência ao rei não o deixam vacilar.
            Em os Lusíadas, Camões faz a descrição geográfica de Portugal “No cume da cabeça da Europa” e na Mensagem, Pessoa caracteriza Portugal como uma figura feminina, rosto da Europa.
            Ambos os poemas são narrativos, mas a Mensagem é mais interpretativa, mais cerebral, tornando-se uma atitude contemplativa, em que Portugal sente necessidade de cumprir ma missão e os heróis são mitificados, tornando proporções grandiosas, como D. Sebastião, o Infante D. Henrique ou o D. Nuno Álvares Pereira.
            Em os Lusíadas os deuses regem a peripécia, como característica renascentista, enquanto na Mensagem os desuses são superados pelo destino.
            Na sua globalidade os Lusíadas apontam para “o Portugal-que-foi” um Portugal de um passado glorioso enquanto a Mensagem remete para um “Portugal a haver”, logo no sentido de promessa, um Quinto Império.          

quarta-feira, 21 de março de 2012

Análise ao poema "O Quinto Império"

O poema da mensagem que me foi dado a analisar destaca uma ânsia de surgimento do Quinto Império e critica todos os que não sonham “sem que um sonho …/ Da lareira a abandonar!”, logo aqueles que se acomodam a uma vida linear.
Este poema insere-se na terceira parte da mensagem, “Encoberta”, a parte em que o misticismo e o mito sebastianista estão presentes mais fortemente.
O poema pode-se dividir em três partes lógicas.
A primeira parte engloba as duas primeiras estrofes e nelas o poeta lamenta e critica aqueles que se contentam em sobreviver “viva a vida porque a vida dura”, aqueles que não têm objectivos “Nada na alma lhe diz” e vivem felizes porque são inconscientes.
A segunda parte é constituída pela terceira estrofe, na qual o poeta destaca a fugacidade do tempo “Eras sobre eras se somem” e a noção do que o verdadeiro homem deve ser descontente “ser descontente é ser homem”, pois só assim evoluirá.
A terceira e ultima parte, que termina com a conclusiva “E assim” refere que, após os tempos vividos, os tempos de sonho “tempos do ser que sonhou”, um novo brilho virá “Do dia claro” e esse brilho mostrará novo império, “o Quinto Império”, fazendo ressurgir os ideais de D. Sebastião. Nesta estrofe destaca-se o mito de D. Sebastião como solução para os problemas de um Portugal cinzento, acomodado e triste.
Externamente o poema é constituído por cinco estrofes, que são quintilhas, de esquema rimático a/b/a/a/b, logo são rimas cruzadas e interpoladas, de sete sílabas métricas
logo são redondilha maior.
O poema inicia-se com um oximoro dos versos um, dois e seis, que destaca o absurdo dos que satisfazem com uma vida vulgar. Na terceira estrofe a repetição “Eras sobre era …/ No tempo em que eras vem.” Destaca a passagem do tempo. Encontramos também uma antítese em “Do dia claro/ Da erma noite” que nos remete há escuridão do desconhecido “erma noite” em contraste com a luminosidade do saber “Do dia claro”.
Na ultima estrofe há ainda a enumeração “Grécia, Roma, Cristandade/Europa” que aludem a uma continuidade que terá, fim mas que será suplementada pela “verdade” que é o mito Sebastianista.
O poeta termina com uma interrogação retórica, o que torna o mais reflexivo.
Como poema inserido numa obra de carácter épico-lírico, o Quinto Império remete para a necessidade de mudança, trazida por D. Sebastião, mas apresenta um tom subjectivo de análise àqueles que se acomodam, logo um tom critico.
Como característica do modernismo, período a que a obra pertence a este poema é vago, subtil e complexo apresentando uma linguagem simples, abundante pontuação, o que o torna cerebral.
Em conclusão, o poema remete-nos para uma reflexão profunda sobre a importância do sonho e o que dele advém, levando a criticar aqueles que se contentam com uma vida vulgar, com o mínimo da sobrevivência sem terem sonhos de uma vida maior e melhor, pois o sonho comanda a vida e só com o sonho há evolução.
Pessoa anseia por D. Sebastião enquanto símbolo da grandiosidade cultural de um povo.


domingo, 22 de janeiro de 2012

Análise do texto

O heterónimo de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos é talvez o mais frenético e o mais sensacionalista dos heterónimos. É ele que numa curva evolutiva, percorre três fases: a fase decarentista, a fase futurista e a fase intimista, á qual pertence o poema “Aniversário”. Nesta fase, Campos refugia-se na infância, tempo de felicidade, para se equilibrar.
O poema “Aniversário” é um poema longo, como a maioria dos poemas de Campos, está escrito em verso branco, sem rima, logo cheio de musicalidade dada pela construção anafórica “Quando…/Quando…” (verso 10): O que fui…/O que fui… (versos 12 a 15), “O que eu sou hoje…/O que eu sou hoje…” (versos 21 e 22).
O sujeito poético refere o dia do seu aniversário como um dia de felicidade porque não tinha a consciência da vida “Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma” e também porque ninguém estava morto.
No tempo da sua infância, tempo feliz em que a família depositava nele todas as esperanças, era tido como inteligente e amado por todos, o sujeito poético vivia alegre porque sentia o amor de todos, sentia-se rodeado por “Tias velhas, primos diferentes, toda a família, era amado” “O que fui de amarem-me e eu ser menino”.
Contudo esse tempo de felicidade “No tempo em que festejava” o seu aniversário alterou-se, porque no presente, felicidade foi substituída pela dor “O que eu sou hoje é como a humidade do corredor no fim da casa”, o que demonstra que o sujeito poético sente que não vive, vegeta, pois morreram todos e ele só sobreviver como um “filósofo frio” sentindo-se, portanto sem chama, sem fulgor.
Esta ideia de que o sujeito poético se limita a existir está bem expressa na sétima estrofe “Hoje já não faço anos. /Duro. /Somam-se-me dias.”, que destaca uma melancolia tristeza e até raiva por não poder trazer “O passado roubado na algibeira”. Por isso Álvaro de Campos pretende por momentos deixar de pensar e utiliza o verbo no imperativo “Pára, meu coração. /Não penses!” pois o pensar consciencializa-o e fá-lo sofrer.
O poema é construído, com base na oposição passado/presente, sendo o passado o tempo da felicidade absoluta e o presente o tempo de sofrimento, solidão em que a realidade lhe é demasiado cruel e o faz entrar em conflito consigo próprio, levando-o a um cansaço existencial, que o atormenta, daí que ao recordar a infância numa tentativa de se sentir mais confortável, recordando o dia do aniversário com a mesa posta com as melhores louças, com muita caixas “doces, frutas” porque era para toda a família, se revolte, se entristeça ainda mais e entre num estado de raiva interior pois se vê sozinho.
Ao longo do poema a pontuação utilizada (!...) reforça o estado de melancolia que se vai acentuado a partir da sétima estrofe. As reticências deixam supor mesmo uma certa angústia de algo que não conseguiu extravasar. Álvaro de Campos termina o poema precisamente com o primeiro verso “O tempo que festejavam o dia dos meus anos!...” Que é apresentado como um lamento de alguém muito sofredor.

Entrevista a Fernado Pessoa

Entrevistador:   Muito boa tarde.
Antes de mais permita-me que lhe diga que fui incumbido desta tarefa difícil para uma publicação literária chamada “Vozes do além”.

F. Pessoa:           Boa tarde.
                               Estou á sua disposição.

Entrevistador:   É muito difícil iniciar esta entrevista, visto que o senhor é múltiplo, encarna vários “eus”…

F. Pessoa:          Pois foi isso que me deu maior prazer: senti-me eu e outros ao mesmo tempo.

Entrevistador:   Como foi a sua vida?

F. Pessoa:        Nasci a 13 de Junho de 1888 na freguesia dos Mártires, em Lisboa, filho legitimo de Joaquim de Seabra Pessoa e D. Maria Madalena Pinheiro Nogueira.

Entrevistador:   Ouvi dizer que na sua ascendência havia fidalgos e judeus.

F. Pessoa:           Sim, sim, meu avô paterno era general e combateu nas campanhas liberais; o meu avô materno foi director-geral do Ministério do Reino.

Entrevistador:   E qual a sua profissão? Sim, porque isto de escrever poesia não é profissão para ninguém…

F. Pessoa:           Pois bem fui tradutor de textos de correspondência comercial.

Entrevistador:   Como foi a sua juventude?

F. Pessoa:           Até aos 5 anos muito feliz. Então o meu pai morreu e, como a minha mãe casou de novo com Cônsul de Portugal em Durban, fomos para África do sul e aí estudei. Daí, que o meu inglês seja tão bom. Voltei para Portugal em 1904 e ainda entrei na faculdade de letras para estudar os filósofos Gregos e Alemães.

Entrevistador:   E a escrita? Quando começou?

F. Pessoa:           Em pequeno já tinha escrito alguns poemas e depois continuei na poesia e também ensaísta na revista “A Águia”.

Entrevistador:   Tem, então, uma vasta obra.

F. Pessoa:           Sim. Escrevi “Sonnets” e “English Poems”  escritos em inglês, “Mensagem”, “poemas” e vários outros.

Entrevistador:   Sem duvida uma vasta obra.
                               Nos seus versos diz que “Sinto com imaginação”… como é possível?

F. Pessoa:           Isso faz parte do meu ser, do meu sentimento. Sou muito avesso ao sentimentalismo e a minha solidão interior põe-me num estado de inquietação muito grande. Quero racionalizar tudo e não usar o coração, porque se usar, é certo que me emociono e sofro.

Entrevistador:   Por isso criou os heterónimos?

F. Pessoa:           Foi uma exigência do meu “eu” o meu psiquismo facilitou-me a simulação e veio-me á ideia escrever encarnado outro “eu”. Assim apareceu Alberto Caeiro, o meu mestre, o guardador de rebanhos que surgiu de pura imaginação e cuja poesia é “natural como levantar-se o vento”. Depois surgiu Ricardo Reis, talvez mais lúcido, pagão por carácter, que procura na sabedoria dos antigos o remédio dos seus males e por isso sofre a influência de Horácio, assentando a sua linha de vida no estoicismo, epicurismo. Para Reis devemos aproveitar cada momento como se fosse o último.

Entrevistador:   Ah! Defende o Carpe Diam! É bem diferente dos outros!
 Muito diferente de Álvaro de Campos.

F. Pessoa:           Com esse eu quis mesmo ser sensacionalista e até escandaloso. Fi-lo passar por fases evolutivas, o que o torna muito complexo.

Entrevistador:   Ah! Gosto dele. Gosto da sua poesia vertiginosa, das suas onomatopeias, dos seus poemas longos, do seu futurismo.
                               Mas diga-me: a mensagem? Como surgiu?

F. Pessoa:           Na minha mente passou um ideal de um Portugal grandioso intelectual e culturalmente e isso levou-me a elaborar uma colectânea de poesias escritas em épocas diferentes mas todas com o mesmo dominador comum: a exaltação patriótica. Daí que a mensagem se divida em 3 partes: Brasão, Mar Português e Encoberto.

Entrevistador:   Estou esclarecido. Poderia ficar horas a falar consigo.
                               Mais uma pergunta: Qual a sua ideologia política?

F. Pessoa:           Talvez o conservadorismo inglês anti-reacionário e já agora, deixe que lhe diga que no aspecto religioso sou Cristão Gnóstico, com tendências Maçónicas e acima de tudo nacionalista.

Entrevistador:   Foi um prazer falar consigo. Agradeço-lhe muito esta entrevista.

F. Pessoa:           Não tem nada que agradecer. Foi um prazer. Estou sempre ás suas ordens.