O heterónimo de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos é talvez o mais frenético e o mais sensacionalista dos heterónimos. É ele que numa curva evolutiva, percorre três fases: a fase decarentista, a fase futurista e a fase intimista, á qual pertence o poema “Aniversário”. Nesta fase, Campos refugia-se na infância, tempo de felicidade, para se equilibrar.
O poema “Aniversário” é um poema longo, como a maioria dos poemas de Campos, está escrito em verso branco, sem rima, logo cheio de musicalidade dada pela construção anafórica “Quando…/Quando…” (verso 10): O que fui…/O que fui… (versos 12 a 15), “O que eu sou hoje…/O que eu sou hoje…” (versos 21 e 22).
O sujeito poético refere o dia do seu aniversário como um dia de felicidade porque não tinha a consciência da vida “Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma” e também porque ninguém estava morto.
No tempo da sua infância, tempo feliz em que a família depositava nele todas as esperanças, era tido como inteligente e amado por todos, o sujeito poético vivia alegre porque sentia o amor de todos, sentia-se rodeado por “Tias velhas, primos diferentes, toda a família, era amado” “O que fui de amarem-me e eu ser menino”.
Contudo esse tempo de felicidade “No tempo em que festejava” o seu aniversário alterou-se, porque no presente, felicidade foi substituída pela dor “O que eu sou hoje é como a humidade do corredor no fim da casa”, o que demonstra que o sujeito poético sente que não vive, vegeta, pois morreram todos e ele só sobreviver como um “filósofo frio” sentindo-se, portanto sem chama, sem fulgor.
Esta ideia de que o sujeito poético se limita a existir está bem expressa na sétima estrofe “Hoje já não faço anos. /Duro. /Somam-se-me dias.”, que destaca uma melancolia tristeza e até raiva por não poder trazer “O passado roubado na algibeira”. Por isso Álvaro de Campos pretende por momentos deixar de pensar e utiliza o verbo no imperativo “Pára, meu coração. /Não penses!” pois o pensar consciencializa-o e fá-lo sofrer.
O poema é construído, com base na oposição passado/presente, sendo o passado o tempo da felicidade absoluta e o presente o tempo de sofrimento, solidão em que a realidade lhe é demasiado cruel e o faz entrar em conflito consigo próprio, levando-o a um cansaço existencial, que o atormenta, daí que ao recordar a infância numa tentativa de se sentir mais confortável, recordando o dia do aniversário com a mesa posta com as melhores louças, com muita caixas “doces, frutas” porque era para toda a família, se revolte, se entristeça ainda mais e entre num estado de raiva interior pois se vê sozinho.
Ao longo do poema a pontuação utilizada (!...) reforça o estado de melancolia que se vai acentuado a partir da sétima estrofe. As reticências deixam supor mesmo uma certa angústia de algo que não conseguiu extravasar. Álvaro de Campos termina o poema precisamente com o primeiro verso “O tempo que festejavam o dia dos meus anos!...” Que é apresentado como um lamento de alguém muito sofredor.