domingo, 22 de janeiro de 2012

Análise do texto

O heterónimo de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos é talvez o mais frenético e o mais sensacionalista dos heterónimos. É ele que numa curva evolutiva, percorre três fases: a fase decarentista, a fase futurista e a fase intimista, á qual pertence o poema “Aniversário”. Nesta fase, Campos refugia-se na infância, tempo de felicidade, para se equilibrar.
O poema “Aniversário” é um poema longo, como a maioria dos poemas de Campos, está escrito em verso branco, sem rima, logo cheio de musicalidade dada pela construção anafórica “Quando…/Quando…” (verso 10): O que fui…/O que fui… (versos 12 a 15), “O que eu sou hoje…/O que eu sou hoje…” (versos 21 e 22).
O sujeito poético refere o dia do seu aniversário como um dia de felicidade porque não tinha a consciência da vida “Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma” e também porque ninguém estava morto.
No tempo da sua infância, tempo feliz em que a família depositava nele todas as esperanças, era tido como inteligente e amado por todos, o sujeito poético vivia alegre porque sentia o amor de todos, sentia-se rodeado por “Tias velhas, primos diferentes, toda a família, era amado” “O que fui de amarem-me e eu ser menino”.
Contudo esse tempo de felicidade “No tempo em que festejava” o seu aniversário alterou-se, porque no presente, felicidade foi substituída pela dor “O que eu sou hoje é como a humidade do corredor no fim da casa”, o que demonstra que o sujeito poético sente que não vive, vegeta, pois morreram todos e ele só sobreviver como um “filósofo frio” sentindo-se, portanto sem chama, sem fulgor.
Esta ideia de que o sujeito poético se limita a existir está bem expressa na sétima estrofe “Hoje já não faço anos. /Duro. /Somam-se-me dias.”, que destaca uma melancolia tristeza e até raiva por não poder trazer “O passado roubado na algibeira”. Por isso Álvaro de Campos pretende por momentos deixar de pensar e utiliza o verbo no imperativo “Pára, meu coração. /Não penses!” pois o pensar consciencializa-o e fá-lo sofrer.
O poema é construído, com base na oposição passado/presente, sendo o passado o tempo da felicidade absoluta e o presente o tempo de sofrimento, solidão em que a realidade lhe é demasiado cruel e o faz entrar em conflito consigo próprio, levando-o a um cansaço existencial, que o atormenta, daí que ao recordar a infância numa tentativa de se sentir mais confortável, recordando o dia do aniversário com a mesa posta com as melhores louças, com muita caixas “doces, frutas” porque era para toda a família, se revolte, se entristeça ainda mais e entre num estado de raiva interior pois se vê sozinho.
Ao longo do poema a pontuação utilizada (!...) reforça o estado de melancolia que se vai acentuado a partir da sétima estrofe. As reticências deixam supor mesmo uma certa angústia de algo que não conseguiu extravasar. Álvaro de Campos termina o poema precisamente com o primeiro verso “O tempo que festejavam o dia dos meus anos!...” Que é apresentado como um lamento de alguém muito sofredor.

Entrevista a Fernado Pessoa

Entrevistador:   Muito boa tarde.
Antes de mais permita-me que lhe diga que fui incumbido desta tarefa difícil para uma publicação literária chamada “Vozes do além”.

F. Pessoa:           Boa tarde.
                               Estou á sua disposição.

Entrevistador:   É muito difícil iniciar esta entrevista, visto que o senhor é múltiplo, encarna vários “eus”…

F. Pessoa:          Pois foi isso que me deu maior prazer: senti-me eu e outros ao mesmo tempo.

Entrevistador:   Como foi a sua vida?

F. Pessoa:        Nasci a 13 de Junho de 1888 na freguesia dos Mártires, em Lisboa, filho legitimo de Joaquim de Seabra Pessoa e D. Maria Madalena Pinheiro Nogueira.

Entrevistador:   Ouvi dizer que na sua ascendência havia fidalgos e judeus.

F. Pessoa:           Sim, sim, meu avô paterno era general e combateu nas campanhas liberais; o meu avô materno foi director-geral do Ministério do Reino.

Entrevistador:   E qual a sua profissão? Sim, porque isto de escrever poesia não é profissão para ninguém…

F. Pessoa:           Pois bem fui tradutor de textos de correspondência comercial.

Entrevistador:   Como foi a sua juventude?

F. Pessoa:           Até aos 5 anos muito feliz. Então o meu pai morreu e, como a minha mãe casou de novo com Cônsul de Portugal em Durban, fomos para África do sul e aí estudei. Daí, que o meu inglês seja tão bom. Voltei para Portugal em 1904 e ainda entrei na faculdade de letras para estudar os filósofos Gregos e Alemães.

Entrevistador:   E a escrita? Quando começou?

F. Pessoa:           Em pequeno já tinha escrito alguns poemas e depois continuei na poesia e também ensaísta na revista “A Águia”.

Entrevistador:   Tem, então, uma vasta obra.

F. Pessoa:           Sim. Escrevi “Sonnets” e “English Poems”  escritos em inglês, “Mensagem”, “poemas” e vários outros.

Entrevistador:   Sem duvida uma vasta obra.
                               Nos seus versos diz que “Sinto com imaginação”… como é possível?

F. Pessoa:           Isso faz parte do meu ser, do meu sentimento. Sou muito avesso ao sentimentalismo e a minha solidão interior põe-me num estado de inquietação muito grande. Quero racionalizar tudo e não usar o coração, porque se usar, é certo que me emociono e sofro.

Entrevistador:   Por isso criou os heterónimos?

F. Pessoa:           Foi uma exigência do meu “eu” o meu psiquismo facilitou-me a simulação e veio-me á ideia escrever encarnado outro “eu”. Assim apareceu Alberto Caeiro, o meu mestre, o guardador de rebanhos que surgiu de pura imaginação e cuja poesia é “natural como levantar-se o vento”. Depois surgiu Ricardo Reis, talvez mais lúcido, pagão por carácter, que procura na sabedoria dos antigos o remédio dos seus males e por isso sofre a influência de Horácio, assentando a sua linha de vida no estoicismo, epicurismo. Para Reis devemos aproveitar cada momento como se fosse o último.

Entrevistador:   Ah! Defende o Carpe Diam! É bem diferente dos outros!
 Muito diferente de Álvaro de Campos.

F. Pessoa:           Com esse eu quis mesmo ser sensacionalista e até escandaloso. Fi-lo passar por fases evolutivas, o que o torna muito complexo.

Entrevistador:   Ah! Gosto dele. Gosto da sua poesia vertiginosa, das suas onomatopeias, dos seus poemas longos, do seu futurismo.
                               Mas diga-me: a mensagem? Como surgiu?

F. Pessoa:           Na minha mente passou um ideal de um Portugal grandioso intelectual e culturalmente e isso levou-me a elaborar uma colectânea de poesias escritas em épocas diferentes mas todas com o mesmo dominador comum: a exaltação patriótica. Daí que a mensagem se divida em 3 partes: Brasão, Mar Português e Encoberto.

Entrevistador:   Estou esclarecido. Poderia ficar horas a falar consigo.
                               Mais uma pergunta: Qual a sua ideologia política?

F. Pessoa:           Talvez o conservadorismo inglês anti-reacionário e já agora, deixe que lhe diga que no aspecto religioso sou Cristão Gnóstico, com tendências Maçónicas e acima de tudo nacionalista.

Entrevistador:   Foi um prazer falar consigo. Agradeço-lhe muito esta entrevista.

F. Pessoa:           Não tem nada que agradecer. Foi um prazer. Estou sempre ás suas ordens.